sábado, outubro 21, 2006

Leitura

«a leitura é uma operação descontínua e fragmentária. Ou melhor: o objecto da leitura é uma matéria puntiforme e poeirenta. Na inundante vastidão da escrita, a atenção do leitor distingue segmentos mínimos, aproximações de palavras, metáforas, nexos sintácticos, passagens lógicas, particularidades lexicais que revelam de uma densidade de significados extremamente concentrada. São como as partículas elementares que formam o núcleo da obra, à roda da qual roda tudo o resto. Ou como o fundo de um vórtice que aspira e engole as correntes. É através destas espirais que, em relâmpagos que mal se percebem, se manifesta a verdade que o livro pode trazer consigo, a sua substância última. Mitos e mistérios consistem em grãozinhos impalpáveis como o polén que fica nas patas das borboletas; só quem compreendeu isto pode esperar revelações e iluminações.»

Italo Calvino, Se Numa Noite de Inverno Um Viajante, Veja, 3ª Edição, página 231

3 comentários:

polly_maggoo disse...

não acho q um livro possa ter uma substância última, acho que o tomo para mim enquanto passo horas do meu dia a lê-lo e a tê-lo cmg. as substâncias são tantas quantos os leitores e nem msm o autor tem essa substância última.

whyme disse...

Percebo o que queres dizer Polly, mas não acho que este fragmento vá necessariamente contra aquilo que dizes, pelo contrário. Também acho que cada leitor retira uma substância última e que nesse aspecto o livro não pertence ao autor mas sim ao leitor, como dizes, como este livro tão bem o mostra. Acho que aqui o que está em causa é o facto de cada pormenor da escrita contribuir para essa fórmula final. É preciso que o leitor tenha noção disso, que realmente preste atenção ao detalhe e procure o que cada vocábulo encerra, para que todo o potencial do livro se transforme em revelação.

polly_maggoo disse...

o daniel pennac escreveu qq coisa sobre os direitos que temos qd pegamos num livro pro lermos. segundo ele temos direito até de o ler na horizontal, de não prestar atenção, temos todos os direitos do mundo.
eu gosto de prestar essa atenção que falas e q o livro pelos visto fala tb (n li n sei) gosto de saboear cada palavra e cada silaba mas há leitores que não o fazem. têm esse direito? julgo q sim.