«A partir desse momento começou aquele período de três dias de gritos ininterruptos, tão horrível que mesmo através de duas portas fechadas era impossível ouvir sem pavor. No momento em que respondeu à mulher, compreendeu que estava perdido, que não havia regresso, que chegara o fim, o fim total, e a dúvida ainda por resolver permaneceria dúvida.-Eh! Eh! Eh! - gritava ele em diferentes tons. Tinha começado por gritar: «Não quero!» - e assim continuou a gritar no mesmo na letra «e».
Durante aqueles dias, em que o tempo não existia para ele, debateu-se naquele saco negro para o qual o empurrava uma força invisível, irresistível. Debateu-se como se bate um condenado à morte nas mãos do carrasco, sabendo que não se pode salvar; e em cada momento sentia que apesar de todoa os esforços de luta estava cada vez mais perto daquilo que o horrorizava. Sentia que o seu sofrimento era também por estar a ser enfiado naquele buraco negro e ainda mais pelo facto de não conseguir entrar nele. Era impedido de entrar pela consciência de que a sua vida tinha sido boa. Era essa justificação da sua vida que o prendia e o impedia de avançar e que o atormentava mais que tudo.
De súbito uma força desconhecida atingiu-o no peito e no flanco, oprimindo-lhe ainda mais a respiração, caiu no buraco e ali, no fundo do buraco, qualquer coisa começou a brilhar. Aconteceu-lhe aquilo que costumava acontecer-lhe na carruagem do comboio, quando pensava que seguia para a frente e ia para trás, e de repente descobriu a verdadeira direcção.
-Sim, nada foi como devia ser - disse a si mesmo. -Mas não importa. É possível, «isso» pode fazer-se. Mas «isso» é o quê? - perguntou a si mesmo e de repente sossegou.»
Lev Tolstoi, A Morte de Ivan Ilitch, Dom Quixote, página 109
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